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Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva...
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.
Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?
Há muito tempo suspeitei o velho em mim.
Ainda criança já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.
Mas se pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração.
Meu grito, minha fome...Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.
..............................................
Que confusão de coisas no crepúsculo!
Que riqueza! sem préstimos, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:
uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,
mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho na piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão
tal, uma inteligência do universo.
Comprada em sal, em rugas, em cabelo.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
“Versos à Boca da Noite”
Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva...
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.
Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?
Há muito tempo suspeitei o velho em mim.
Ainda criança já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.
Mas se pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração.
Meu grito, minha fome...Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.
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Que confusão de coisas no crepúsculo!
Que riqueza! sem préstimos, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:
uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,
mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho na piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão
tal, uma inteligência do universo.
Comprada em sal, em rugas, em cabelo.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
“Versos à Boca da Noite”
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